sábado, 23 de junho de 2012

O amor é uma companhia

O amor é uma companhia.
Já não sei andar só pelos caminhos,
Porque já não posso andar só.
Um pensamento visível faz-me andar mais depressa
E ver menos, e ao mesmo tempo gostar bem de ir vendo tudo.
Mesmo a ausência dela é uma coisa que está comigo.
E eu gosto tanto dela que não sei como a desejar.
Se a não vejo, imagino-a e sou forte como as árvores altas.
Mas se a vejo tremo, não sei o que é feito do que sinto na ausência dela.
Todo eu sou qualquer força que me abandona.
Toda a realidade olha para mim como um girassol com a cara dela no meio

Fernando Pessoa por Alberto Caeiro


As sete maravilhas de cada mundo 
Tenho uma amiga chamada Azaléia, que simplesmente gosta de viver. Viver sem adjetivos. É muito doente de corpo, mas seus risos são claros e constantes. Sua vida é difícil, mas é sua.
Um dia desses me disse que cada pessoa tinha em seu mundo sete maravilhas. Quais? Dependia da pessoa.
Ela então resolveu classificar as sete maravilhas de seu mundo.
Primeira: ter nascido. Ter nascido é um dom, existir, digo eu, é um milagre.
Segunda: seus cinco sentidos que incluem em forte dose o sexto. Com eles ela toca e sente e ouve e se comunica e tem prazer e experimenta a dor.
Terceira: sua capacidade de amar. Através dessa capacidade,
menos comum do que se pensa, ela está sempre repleta de amor por alguns e por muitos, o que lhe alarga o peito.
Quarta: sua intuição. A intuição alcança-lhe o que o raciocínio não toca e que os sentidos não percebem.
Quinta: sua inteligência. Considera-se uma privilegiada por entender. Seu raciocínio é agudo e eficaz.
Sexta: a harmonia. Conseguiu-a através de seus esforços, e realmente ela é toda harmoniosa, em relação ao mundo em geral, e a seu próprio mundo.
Sétima: a morte. Ela crê, teosoficamente, que depois da morte a alma se ancarna em outro corpo, e tudo começa de novo, com a alegria das sete maravilhas renovadas.

Clarice Lispector


Esse coração

Àa vezes, como agora
ouço bater-me o coração.
Mas em geral
nem lhe presto atenção.

Passo semanas, anos
sem me dar conta
como se essa fosse
dele a profissão.

Lateja independente de mim
meu coração
vivo tão longe dele
ele
pulsando lá por sua conta
eu seguindo minha vida
exceto
é claro
quando desencadeia-se
o amor-paixão.
Aí eu-sou-ele
ele-sou-eu
no mesmo desespero
e glorificação.

Affonso Romano de Sant'Anna